Levantamento exclusivo mostra que vacinas jogadas fora representaram quase R$ 9 milhões em investimentos públicos. Especialistas defendem mudanças logísticas para conter desperdício.
Quase 1,2 milhão de doses no lixo
Mais de 1,1 milhão de doses de vacinas foram descartadas em Santa Catarina entre 2022 e 2024. Os dados são resultado de um levantamento exclusivo da NSC TV junto à Secretaria de Estado da Saúde e às prefeituras das maiores cidades do Estado, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Entre os principais motivos do desperdício estão o vencimento do prazo de validade, falhas logísticas, erros de manuseio e a baixa adesão da população às campanhas de vacinação, especialmente contra a Covid-19 e a gripe.
O retrato dos municípios
Das dez maiores cidades de Santa Catarina, seis prefeituras responderam de forma completa à solicitação da reportagem. Juntas, elas contabilizam 541.018 doses descartadas. Os maiores números vieram de:
- Florianópolis: 128.154 doses perdidas
- São José: 79.075 doses
- Itajaí: 61.704 doses
- Jaraguá do Sul: 53.973 doses
- Criciúma: 41.554 doses
- Palhoça: 29.047 doses
- Chapecó: 15.060 doses
As justificativas vão desde falhas técnicas e vencimentos até problemas com frascos multidoses e ausência de público para aplicação.
Outros municípios como Blumenau e Joinville enviaram dados parciais — apenas referentes a vacinas contra gripe e Covid-19 —, totalizando mais 132.441 doses descartadas. Já Lages não forneceu informações conclusivas.
Custo milionário: quase R$ 9 milhões em vacinas perdidas
Além do número de doses, a reportagem solicitou também os valores financeiros referentes às vacinas descartadas. Apenas cinco prefeituras forneceram essas informações:
- Florianópolis: R$ 3.510.031,61
- Jaraguá do Sul: R$ 2.161.694,03
- Itajaí: R$ 1.749.830,06
- Criciúma: R$ 1.028.053,33
- Blumenau: R$ 250.008,67
O total chega a impressionantes R$ 8.699.617,70 em investimentos públicos desperdiçados. Vale lembrar que a aquisição dos imunizantes é feita exclusivamente pelo Ministério da Saúde.
Frascos multidoses: solução ou problema?
Grande parte das perdas está relacionada ao uso de frascos multidoses. Embora facilitadores na logística e mais econômicos, eles exigem o uso de todas as doses em poucas horas após a abertura. Caso contrário, o conteúdo deve ser descartado, mesmo que parcialmente usado.
Segundo a Prefeitura de Joinville, a vacina da Covid-19, por exemplo, não pode ser recongelada. “Se apenas uma pessoa é vacinada, o frasco inteiro precisa ser desprezado”, explica o município. Cidades como Jaraguá do Sul, Blumenau e Itajaí também relataram perdas significativas por esse motivo.
A epidemiologista Alexandra Boing, doutora em Saúde Coletiva, sugere uma alternativa: aumentar a compra e distribuição de vacinas em frascos monodoses, especialmente para cidades menores ou em momentos de baixa demanda. A ideia, segundo ela, “é evitar abrir um frasco com dez doses para vacinar apenas uma pessoa”.
Baixa adesão também preocupa
Outro fator central apontado pelos municípios foi a baixa adesão da população, sobretudo às campanhas contra a gripe e a Covid-19. A Diretoria de Vigilância Epidemiológica de SC (Dive/SC) afirma que tem intensificado a capacitação dos municípios e ações de comunicação para incentivar a vacinação.
O diretor da Dive, João Augusto Fuck, reforça que o planejamento tem priorizado vacinar os grupos prioritários em um primeiro momento, seguido da ampliação para toda a população.
Soluções: acesso e escuta ativa
Para especialistas, combater o desperdício passa também por facilitar o acesso da população à vacinação. Alexandra Boing defende:
“As salas de vacinação precisam funcionar em horários alternativos, inclusive aos finais de semana. Além disso, é necessário ouvir a população para entender quais barreiras dificultam o acesso à imunização.”
O número real pode ser ainda maior
Somando os dados das prefeituras (541.018 doses) e da Secretaria Estadual de Saúde (658.884 doses), o número total de vacinas descartadas chega a 1.199.902 doses entre 2022 e 2024. No entanto, o valor real tende a ser ainda maior, já que o levantamento não inclui dados de 286 dos 295 municípios catarinenses.
O cenário acende um alerta: além do prejuízo financeiro, o desperdício representa a perda de oportunidades de imunização e o enfraquecimento das campanhas de saúde pública — justamente em um momento em que a vacinação é essencial para o controle de diversas doenças.