Na manhã desta quarta-feira (23), moradores da Praia do Forte, no Norte da Ilha de Florianópolis, realizaram um protesto contra a ordem de demolição de oito casas situadas ao lado da Fortaleza de São José da Ponta Grossa, área tombada pela União. A manifestação ocorreu após a Justiça Federal manter a decisão que determina a desocupação e demolição dos imóveis, com prazo de 72 horas — até sexta-feira (25).
A decisão judicial veio após a União recusar um acordo e apresentar imagens aéreas que mostrariam alterações significativas nas construções ao longo dos anos, como ampliação de telhados, construção de decks, piscinas, pavimentações e retirada de vegetação. Segundo a União, essas modificações foram feitas sem autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ou da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), em área de proteção ambiental e patrimonial, afetando o acesso público à praia.

A disputa legal se arrasta há mais de 40 anos, tendo começado oficialmente em 1991, quando a União ingressou com pedido de reintegração de posse. De lá para cá, a situação se tornou uma verdadeira batalha judicial. Em fevereiro deste ano, a demolição chegou a ser iniciada, mas foi suspensa com o maquinário já no local. Desde então, os moradores aguardavam uma audiência de conciliação que, em vez de ocorrer, foi substituída por um novo ultimato.
As famílias que vivem nas oito residências afirmam ser descendentes dos primeiros habitantes da região, cuja presença remonta a meados do século XIX. O advogado Marcelo Pretto Mosmann, representante da Associação de Moradores da Praia do Forte, cita documentos históricos que comprovam a medição da terra em 1834, com a presença de Heres Antônio Alves, ancestral da família Alves da Luz, que hoje ocupa os imóveis.

Ivânio Alves da Luz, de 65 anos, é um dos moradores afetados. Ele comanda há mais de quatro décadas um restaurante herdado de família, que atualmente está fechado devido ao impasse judicial, acumulando um prejuízo estimado em R$ 20 mil. “A gente nasceu e se criou aqui, somos filhos de pescadores, nativos. Queremos permanecer na comunidade”, desabafa.
Sua esposa, Almeri da Luz, o auxilia no comércio, e juntos enfrentam dias de incerteza e ansiedade. A irmã de Ivânio, Ione da Luz Gaia, de 66 anos, relata ter retirado os móveis da casa por medo de perder tudo. “Nunca vi esse campo de guerra. Isso não se faz com ninguém, a nossa casa ficou depenada”, lamenta.
A comerciante Neusa Alves da Luz, de 57 anos, prima de Ivânio e Ione, também vive em uma das casas ameaçadas. Com o imóvel esvaziado e os pertences danificados, ela relata noites sem dormir. “Moramos eu, meu esposo, meu neto de nove anos e mais três filhas. Nasci e me criei aqui, não somos invasores”, afirmou.
A Fortaleza de São José da Ponta Grossa, ao lado das casas em questão, é um patrimônio histórico nacional e ponto turístico. Segundo o Iphan, a presença dos imóveis impede a finalização de obras de restauração e acesso adequado ao local. A intervenção já foi concluída em 2023, mas os imóveis seguem em situação de risco jurídico.
Apesar de, em 2010, a SPU ter se manifestado a favor da permanência dos moradores, a mudança de procurador no Ministério Público Federal resultou em um novo posicionamento, contrário à regularização das casas. Desde então, o impasse se intensificou.
Enquanto a Justiça e os órgãos federais defendem a preservação do patrimônio e o cumprimento da lei, os moradores clamam por reconhecimento histórico, social e humano. “Espero que nenhum ser humano passe o que a gente passou. A dor pode passar, mas a ferida vai ficar para sempre”, resume Ivânio.